Aumento do lixo doméstico em São Paulo: uma perspectiva no mundo pandêmico

Laboratório de Jornalismo
8 min readJun 21, 2021

Por Beatriz Kawai, Fernanda Viana, Juliany Rodrigues e Rafaela Vazquez, alunas do 1º JOA

“Estamos em um momento em que todo mundo pratica o isolamento social e está, sem o contato com os familiares, cada vez mais, abraçando o plástico.”
Marcelo Montenegro, coordenador da área de justiça socioambiental
da Fundação Heinrich Böll.

Durante a pandemia da Covid-19, houve um aumento da produção de lixo doméstico. A necessidade do distanciamento social, do uso de equipamentos de proteção sanitária (máscaras, luvas e medical shield) e utilização de produtos e embalagens à base de plástico contribuiu para o crescimento exponencial na produção e descarte de resíduos sintéticos. Nas últimas décadas, o plástico se tornou uma dependência do cotidiano, seja nas garrafas pet, nos celulares ou até mesmo no seu chiclete.

Reprodução: Portal Saneamento Básico

A cidade de São Paulo é a maior da América Latina, com seus 12,33 milhões de habitantes produzindo um grande acúmulo de lixo reciclável, que por sua vez nem sempre recebe o tratamento adequado. Não à toa, é a quarta cidade mais poluente do Brasil. Em 2019, foram coletadas 80.454 toneladas de lixo reciclável domiciliar. Em comparação ao ano da pandemia, este número cresceu 17,41%. Para referência, a diferença entre os anos de 2018 e 2019 foi de apenas 4,40%. A prefeitura não distribui os recursos corretamente para que o tratamento e coleta desses resíduos sejam eficazes. Como discutido no Atlas do Plástico, pesquisa publicada pela Fundação Heinrich Böll, no qual são apresentadas diversas matérias coletivas, voltadas aos fatos e números dos polímeros sintéticos. A fundação alemã busca fortalecer o debate público sobre, principalmente, questões ligadas à democracia, justiça socioambiental e direitos humanos, e é regida pelos princípios da ecologia.

De acordo com pesquisa realizada pelas autoras desta reportagem com 73 residentes da cidade de São Paulo que foram contaminados pela Covid-19, 58% relataram aumento do descarte doméstico em sua residência, quando comparado ao período anterior à pandemia. Antes do período pandêmico, 56% alegaram separar o reciclável do comum, em vista do cenário atual; apenas 44% separavam o lixo comum dos equipamentos de proteção, antes de contaminados. Quando questionados sobre mudança no tratamento após a contaminação, 49% passaram a separá-lo e, após curados, somente 25% não mantêm o hábito.

Em janeiro de 2021, três dos quatro moradores da residência da estudante universitária Mariana Pereira foram contaminados, inclusive ela. Durante a quarentena, notou grande aumento na quantidade de lixo, especialmente o plástico. “Tem dia que eu olho e penso: ‘Meu Deus, a lixeira está cheia de novo!’, então aumentou, porque agora o dia inteiro está todo mundo em casa.” Embora tentasse diminuir a disseminação da doença, ela ao final colocava os lixos em um mesmo saco. O melhor método que encontrou para descartar seu lixo, apesar de tentar ao máximo evitar, foi adicionar camadas plásticas.

Idalina Neves, 24 anos, enfermeira do Hospital Santa Marcelina, afirma que o aumento de resíduos no hospital foi “gritante”, devido à maior utilização de materiais descartáveis e ao aumento do número de internações. Quando infectada, morava com pessoas do grupo de risco, e diferente de Mariana, por ser uma profissional da saúde, tinha consciência de que o correto a ser feito era separar individualmente os restos.

Do lado oposto temos Reginaldo Oliveira, 35 anos, zelador do Edifício West Side, localizado no bairro de Perdizes. Porque os moradores não cuidam corretamente de seus resíduos, ele está exposto aos riscos de contágio de todos os residentes do prédio. Confira abaixo o vídeo de sua entrevista.

“Os prédios, os lugares, não estão fazendo essa distinção, então a gente também ficava meio perdido onde jogar e como jogar, para as pessoas não se contaminarem” (Mariana Pereira)

Idalina e Mariana se encontram na posição de produtoras e ambas têm a responsabilidade do descarte correto, que determina o cenário ao qual Reginaldo estará sujeito. Assim como elas, todos possuímos esta responsabilidade socioambiental. “O consumidor tem o papel de conscientização, de poder fazer reciclagem”, ressalta Marcelo Montenegro. “A falta de informação e de educação, no sentido de ter formas de entender ‘como fazer a reciclagem? Como separar os materiais? Como lavar o recipiente da embalagem plástica para poder ser reciclada?’, prejudica e impede a tomada de consciência para mudança.”

Porém, tal questão não se resume à responsabilidade individual, possui duas outras facetas: a privada (grandes empresas e indústrias) e a pública (entidades governamentais). De acordo com o Capítulo II, Artigo 3º da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, aquele que produz o plástico é responsável pela sua reciclagem, então a empresa que produz o material é responsável por providenciar formas de fazer a coleta e a reciclagem desse material para colocar de volta no ambiente.

A estudante Mariana Pereira é um retrato da realidade da falta de conhecimento do restante da população brasileira. Uma alternativa são campanhas de conscientização, como a executada pela empresa Corpus Saneamento, na qual se explicou como separar, identificar e quais atitudes tomar em relação à coleta. Como resultado, João Paschoalini, diretor operacional da empresa, relata: “Nossos clientes precisavam dessas informações para poder nos ajudar, isso favoreceu bastante no baixo índice de contaminação entre os funcionários”.

Reprodução: UOL

Uma iniciativa que deveria vir dos setores públicos, mas foi implementada pela empresa Corpus, mostra como reverter a situação de desinformação de pessoas como Mariana. João esclarece que a cidade de Salto, no estado de São Paulo, é voltada para um desenvolvimento mais sustentável, e o projeto “foi levar todos os professores, diretores de escola, para ver como que era a questão do pós-coleta, para todos entenderem para onde ia e como era feito. Às vezes, você ensina na sala de aula, mas não tem a visão de como realmente acontece. Quando começamos a trabalhar com os alunos diretamente, você cria locais para a população fazer a entrega do seu material, então, a partir do momento que o filho sabe e explica para os pais, a participação aumenta”.

“Você não consegue mudar os comportamentos sem dar as condições para isso” (Marcelo Montenegro)

A desigualdade de acesso, seja ao conhecimento sobre o assunto ou à infraestrutura, está presente nas camadas desprivilegiadas da população. Essa característica é conhecida como racismo ambiental. Em relação à coleta, sua falta fica evidente em regiões periféricas. Caminhões de lixo não possuem em suas rotas esses destinos, ou, quando possuem, passam em horários irregulares. Por não terem a disponibilidade do serviço remoto, os residentes têm a necessidade de se locomover até um local de disposição dos resíduos, e com a pandemia esta situação se agravou. Tendo a quarentena como medida fundamental no combate à disseminação do vírus, as pessoas se sentem coagidas a quebrá-la, colocando em risco a própria saúde e a dos moradores de toda a comunidade. “Entender como funciona o sistema da coleta, se é efetivo ou não, e demandar essa efetividade em todos os locais, não apenas nos bairros ricos, é papel do Estado”, conclui o coordenador.

Além das barreiras físicas, temos o problema da falta de compreensão sobre sustentabilidade. Há uma falta de reconhecimento do racismo ambiental, muitos não sabem o que pode e como deve ser reciclado, para onde vai e o porquê. O passo principal é focar no problema e discuti-lo, e depois determinar uma política de educação ambiental que se enraíze na sociedade. As entidades públicas detêm a responsabilidade de promover campanhas educacionais sobre reciclagem, e com o intuito de ensinar na prática, realizar eventos físicos destinados a todas as idades, em adição à criação de novos centros de tratamento de resíduos.

Porém, não basta o governo promover programas de conscientização se a população não tiver iniciativas para mudar seu comportamento, já que a proatividade é necessária nessa via de mão dupla. A cultura do descartável, disseminada pela esfera comercial e a efemeridade que o sistema capitalista promove, cria uma mentalidade comportamental, na qual achamos conforto e praticidade no plástico. “Você acaba sendo bombardeado por, às vezes sem perceber, narrativas que constroem essa ideia de comodidade”, complementa Marcelo. Assim, poucos pensam nas consequências de seus hábitos de consumo a longo prazo, por acreditarem que sua responsabilidade se encerra quando o material é descartado. A legislação atuante tem força concentrada nesse processo, não é necessária a criação de novas leis, mas, sim, a manutenção e fortalecimento das existentes para que haja um maior controle do uso do plástico e outros polímeros sintéticos.

O aumento dos pedidos de delivery contribuiu para o crescimento da produção de lixo doméstico. Devido às contaminações e restrições de restaurantes, muitas pessoas que não sabiam cozinhar, ou estavam impossibilitadas, optaram pelo delivery. Segundo dados coletados de 73 pessoas em nossa pesquisa, apenas 4% afirmaram a presença, antes da pandemia, de embalagens retornáveis e 0% de biodegradáveis. Quase a metade notou uma diferença nos embrulhos após o início da quarentena; 78% dos entrevistados disseram, durante a pandemia, pedir delivery com maior frequência, e seus recipientes, de acordo com 40%, tornaram-se biodegradáveis. Já as plásticas diminuíram em 25%.

Esse decréscimo se dá por causa da maior presença de fornecedores de produtos mais sustentáveis no mercado pandêmico, no entanto há uma grande dificuldade na compra de materiais de diferentes composições.

Um exemplo é o restaurante JapaVegana — localizado no bairro da Bela Vista, na capital paulista — , com delivery Plant-Based sustentável. Uma das sócias, Candy Saavedra, explica que, apesar de buscarem principalmente produtos nacionais, não é possível possuir apenas esses, visto que o mercado brasileiro é deficiente de matéria sustentável. A empresa recorre, então, à importação de produtos chineses, que de acordo com Candy são mais ecológicos que a compra de material sintético.

A utilização do plástico também ocorre, pois a falsa sensação de segurança é gerada pela facilidade de limpeza de superfícies plásticas. Muitos acreditam que ele é mais seguro, apesar de, neles, o vírus permanecer por mais tempo do que em muitos materiais, como o papel. Há a responsabilidade individual:

“É uma questão realmente de você optar, ‘eu quero receber, ou vou comprar em locais que tenha uma relação de consumo, aquelas marmitas de alumínio e de isopor eu não quero’. ” (João Paschoalini)

Existem iniciativas, como a campanha #DeLivreDePlástico, lançada pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), com o intuito de mobilizar publicamente empresas de entrega de alimentos a evitar o uso de plástico. Ela abre um debate para restaurantes e empresas buscarem uma alternativa menos danosa ao ambiente. Essas campanhas deveriam ganhar maior visibilidade e incentivar a criação e difusão de outras.

A pandemia agravou uma problemática socioambiental existente há décadas, o crescimento descontrolado dos descartes domésticos. As consequências são imediatas, porém sua remediação é um processo longo e em conjunto. As entidades públicas, privadas e a sociedade precisam alinhar atitudes para que possam amenizar os impactos e garantir qualidade de vida para as próximas gerações.

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Laboratório de Jornalismo

Espaço reservado para produções dos alunos do 1º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero em 2021